Toriphiles!
Há alguns dias, Bruno Cercal compartilhou o link do Shiny and New Blog com uma review esplêndida do Night of Hunters. Decidimos traduzi-la, e aqui está!
For english speakers, if you want to read this stunning review, you can find it at the end of the translation, on the source.
NOITE ESTRELADA
Antes de entramos no mérito da review, queremos que você encare um fato. Madonna nunca lançará um álbum tão bom quanto Ray of Light. Kate Bush nunca lançará um álbum tão bom quanto Hounds of Love. David Bowie nunca lançará um álbum tão bom quanto Alladin Sane. Joni Mitchell nunca lançará um álbum novamente... E Tori Amos nunca mais será tão furiosa, insana, ferida, vivaz e lúdica como foi na primeira metade de sua carreira. É impossível. Ela tem um casamento feliz agora, uma filha, e (esperamos assim) uma vida familiar simples e amável que não envolve sequestro, tortura ou injúria. Isso não significa que ela vá lançar música enfadonha, certamente. mas você precisa reajustar suas expectativas.
Mesmo um fanático como eu admitiria que o último álbum de Amos (ou os dois, se você considerar Midwinter Graces, seu álbum natalino) foi um passo falho. Não que seja um disco ruim (se o compararmos aos de muitos outros artistas, é ainda exótico e ótimo), mas não estava à altura do patamar da artista. Bem, seu novo álbum, Night of Hunters, está. Mas é diferente. Viçoso, sinuoso, lento. Exige sua paciência. Não há qualquer beat de bateria. Na verdade, não há beat de tipo algum. Há muitas melodias e maravilhosas instrumentações, densas e graciosas, além da letras usualmente oblíquas e a riqueza de seu talento musical. Mas essa não é a Tori Louca, Raivosa. Nem a Tori que prepara colares de peyote (tipo de cacto) com índios nativo-americanos.
A primeira vez que você ouvi-lo pode deixá-lo desapontado, ou, pelo menos, sua testa ficar enrugada. Não é uma audição fácil. Não é Enya, nem Adele, nem Lady Gaga em suas baladas. No mundo da música popular, seu parente mais próximo é a composição para harpa-e-orquestra de Joanna Newsom, Ys (2006). No entanto, compará-los é um insulto e uma inferiorização a ambos, já que a única coisa que têm em comum é sua Ye Olde Classicale Oschestratione, bem como a grande capacidade que suas escritoras e musicistas tem em tocar a harpa e o piano, respectivamente. Oh, e o fato de serem dotadas de uma vulva, também.
Certamente, se um artista homem tivesse assumido tamanho esforço num trabalho tão complexo e recompensador, ele seria saudado como um herói visionário, mas Tori é uma mulher, considerada, no mundo do showbizzzz, “velha”, então não será uma surpresa se o trabalho for recebido com fanfarra. Contudo, isso é uma review que compreende nossas opiniões e reações, não um artigo de opinião em sexismo e preconceito por idade na indústria musical, então devemos mudar rapidamente o rumo dessa conversa.
Em primeiro lugar, a despeito da miríade de inteligentes pinceladas musicais e nas letras, além do mérito em ouvi-lo repetidamente (nós literalmente notamos algo novo a cada vez que ouvimos qualquer uma das canções, habilmente trabalhadas), estamos conscientes de que, na verdade, não há nenhuma inovação verdadeira em Night of Hunters. Artistas pop já fizeram antes ciclos de canções orquestrais e ornados (ainda que já tenhamos dito que foi difícil encontrar algum comparativo, além do já antes citado trabalho de J. Newsom), e mesmo que não tivessem feito, este daqui está investigando um estilo que existe há centenas de anos: a rica e ondulante música do período Romântico tardio da Arte Musical Ocidental. Mas seria inovador o simples uso das técnicas de arranjo e orquestração, aplicando-as às canções estruturalmente complexas e repleta de camadas, de uma artista pop alternativa? Bem: sim. Estas não são apenas canções orquestradas com preguiça para causar, chamar atenção; é um ciclo narrativo expresso com esplendor, quente e pesado, com imagens potentes e opacas o suficiente para soarem intrigantes e levemente exóticas, mas familiares na medida certa para não confundir por completo.
E os esplêndidos arranjos elaborados pelo colaborador de longa data John Philip Shenale não são exageradamente doces ou sem imaginação, como costumam ser os arranjos frequentemente encontrados no trabalhos de artistas pop; em Night of Hunters, são estranhos e convincentes. Todos os instrumentos do conjunto para Câmara (violino, viola, cello, oboé, clarinete, flauta, fagote, etc) recebem igual valor, e invés de se revezarem ou criarem texturas quietas para background, eles vão juntos, num pacote, como os caçadores do título: ferozes, emaranhados, ocasionalmente turvos e obscuros, tudo combinado, acompanhando as melodias e levando-as a um nível mais avançado.
Outro dos aspectos mais brilhantes foi a inclusão da filha de Tori. Tash não faz somente backing vocals, mas atua no papel de Anabelle, cantando solos e duetos com Amos. De fato, a canção “Job’s Coffin”, praticamente isenta do canto de Tori, é uma mostra da voz jovem, porém forte e graciosa, de Tash. Esta música acaba se tornando um dos pontos altos do álbum, por ter a melodia mais proeminente e memorável, além de um doce canto cadenciado centrado em torno dos versos: “Job’s Coffin olhando de cima, para ver o que a humanidade irá fazer”.
Mesmo que certos momentos, como Battle of Trees (lúgubre e semelhante a um hino fúnebre), não inspirem imediatamente, há outras momentos bem característicos de Tori, como a segunda metade em tempo veloz de “Edge of the Moon”, a seção do meio em “Star Whisperer” e “Nautical Twilight”. A canção de abertura, “Shattering Sea”, baseada num improv de seus shows ao vivo, começa obscura e sinistra para depois explodir, trazendo a tona a dinâmica de tensão e relaxamento da composição superior de Tori, sempre surpreendendo e deliciando, e nunca seguindo um padrão ou se conformando.
Em “Fearlessness”, depois de uma violenta cacofonia de cordas e woodwind crescendo e crescendo, chega-se ao ápice, permanecendo nele enquanto Tori canta, “grupos de cavalos do orgulho seguiram seu clamor através do fogo/ Demônios do selvagem romperam com o vento... Você ouviu?”. E na epônima “Night of Hunters”, Tori e Kelsey Dobyns, sua sobrinha, que soa exatamente como Tori caso ela tivesse estudado ópera num conservatório, trocam a melodia entre si, em uma música imponente e obscura. No meio da canção, no entanto, um riff de piano notavelmente descende numa rede de estilo medieval, enquanto uma “chama” e a outra responde. “Carry”, a lamentosa, mas esperançosa, canção que fecha o álbum, tem o som de camadas imensas de névoa emergindo de planícies frias e gramadas, à medida que nossa heroína lamenta: “na procissão das estrelas mais potentes, seu nome é cantado e está agora tatuado em meu coração... Aqui eu o carregarei, carregarei, carregarei, para sempre”.
Este trabalho é de música que evoca uma total euforia, com entrelaçamentos melódicos e harmônicos frenéticos, pesarosos, galopados e calmos. Há seções, subseções, movimentos, zumbidos, temas e variações, motivos musicais recorrentes, pausas, ápices e vales. Como a própria Tori expressa na já mencionada “Carry”: “Catedrais de som estão cantando”. Tentar descrever Night of Hunters é fazê-lo perder parte do seu brilho.
Esperamos por anos para que Tori retornasse a uma música tão poderosa, complexa, elevada e corajosa como esta. Seu melhor trabalho em uma década.
Fonte / Source: Shiny and New blog
Um comentário:
Muito ansioso pelo álbum! Mal posso esperar para ouvir a seqüência dele :D
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