Quando Hamilton Guilherme (facebook) se habilitou a escrever sobre o American Doll Posse, um dos discos de maior apelo visual de Tori, para a série Flavors, sugeri a ele que ao invés de escrever um texto corrido fizesse uma série de poesias, nas quais retratasse cada uma das dolls. Assim, eles fez cinco odes às "bonecas" de Tori, usando-se de referências marcantes e uma boa dose de surrealismo, bem própria aos textos dele. Hamilton mantém com um amigo também um blog de poesia, Lúcidos e Extasiados, mas por agora vamos nos deter a conhecer as dolls, sob sua ótica.
(a arte que ilustra o post foi extraída do blog Visual Audities)
I - Clyde
Eu absorvi toda a luz
E me tornei parcialmente cinza
Sob o inebriar dos cigarros
E suaves incensos,
Eu recolho as estrelas cadentes
Abandonadas nas esquinas
Pensei ter ouvido a voz calada
Da mais soturna arqueira
Meu cálice transborda
E os exércitos se tornam poeira
Pensei ter passado a ponte
A ponte que nos separa
Pensei ter visto em seus olhos
Um brilho que me faltara
E agora que estou sozinha
Distraio-me com o que tenho
Eu observo universos
Em pleno movimento
E assim guardo em meu olhar
Um horizonte em portento
Um outono branco e preto,
Durando não mais que um momento
II - Isabel
Bravo intenso mundo
Abaixo dos nossos pés
De heróis ancestrais
E caídos imperadores
Somos como reféns
De uma guerra civil
Somos um campo de batalha
De trapaceiros sonhadores
Em uma eterna caçada
Aqui todos nós vamos
Em busca de seiva nova,
Dos deuses da lua,
Até as colinas da liberdade
Nós somos vendavais
e almas impuras
Querendo alguma resposta
Para nossas verdades
Na garoupa de meu cavalo baio,
Busquei um espírito rebelde e valente
Apenas eu e meu arco longo,
Na sapiência da minha bússola,
Ao lado negro do sol
Onde escorre sangue inocente
III - Santa
Deste sagrado e profano
coração em chamas,
Eu deixei para trás
Todas as minhas armas
Em meus olhos de índigo
Há um feitiço secreto
Uma volúpia que decreta
Primavera antecipada
É um maremoto
O meu mais ardente desejo
Eu poderia beijar os céus,
Minha paixão incandescente,
Como um sinuoso vermute
Que eu suavemente despejo
Como pude acreditar?
Estava me perdendo, outra vez
De corpo e alma
Pela mais doce ambrósia
Eu caio em sedução
Eu me torno insensatez
IV - Pip
Eu tenho pisoteado
Naqueles terríveis abutres
Com minhas botas de ferro
E sangue vingado, curtume
Uma adaga em minhas mãos
E uma arma recém carregada
Ouço os passos velozes
Dos meus rivais ferozes
Mas não, não perdi a batalha
Hei de queimar, expurgar
O peso sobre meus ombros
E o instinto aniquilador
Resiste sob os escombros
Sim, mais uma vez de pé,
Estou eu em sua porta
Por outro teste de impacto,
Veludo e criança morta
E quando a sombra dos corvos
Devorarem todas as vísceras
Verão as rosas sangrentas
E mais uma fúria insípida
V - Tori
Quanto todas as peças se unem
Formando a constelação,
A muralha é enfim demolida
Pó de ouro em minhas mãos
Os meus velhos retratos
E fantasmas holográficos
Levam-me ao jardim
De segredos acetinados
Nada além dos olhos,
Os olhos de Violeta
E a branda voz do piano
Cantando até que adormeça
Em cada pedaço de mim
É desvendado um arcano
O mel da abelha assassina
Tão doce, ambrosiano
Os arcanjos de concreto,
Deixei-os em linha reta
Cairão como dominós
É o que meu ventre atesta
E atrás da prisão da Torre
Uma roda gigante, tão só
O delineador do tempo
Irá reduzi-la a pó
Por fim, deitada na relva
Contemplo a noite estrelada
Percebo, foi longa a estadia
Navego de volta pra casa
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Hamilton Guilherme
19 anos, estudante de arquitetura e urbanismo, aspirante a escritor e sempre à procura de uma paisagem tranqüila ou da companhia de velhos amigos; talvez seja um anarquista com uma lança nas mãos ou um eremita que vive nas montanhas. Pernambucano e libriano, com uma certa tendência à esquizofrenia e um apático sentimento lisérgico nos olhos. Eu sou o azul purpúreo da noite minutos antes da alvorada, eu sou apenas eu mesmo.
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