segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Gold Dust, e as recordações


Recordações. Vê-las se formando, sendo guardadas e ficando distantes, com o caminhar dos anos, é o tipo de coisa que nenhum de nós escapa. E à medida que o tempo passa, essas mesmas recordações, que numa análise superficial são momentos fixos no passado, mudam. A maneira como olhamos para elas, sem dúvida, pode mudar. Se num primeiro momento, causavam mágoa e revolta, podem se tornar marcos para nossa consciência e senso de realidade (ainda que, em alguns casos, seja de uma realidade brutal). Ou se nos traziam dor em face de uma perda irreparável, com a ajuda das estações podem acabar nos trazendo um sentimento mais doce, generoso e saudosista. Até se foram essencialmente felizes, dão uma certa melancolia em pensar que aquelas coisas boas não voltam nunca mais... Em suma, as recordações vem e vão, e não são estáticas, em nossas mentes e corações.

Foi esse o esforço assumido por Tori Amos em Gold Dust. Representar, com o amparo pomposo de uma orquestra, que as recordações trazidas por certas canções não são exatamente iguais, ainda que venham de um mesmo lugar. Mostrar, através de mudanças mais ou menos radicais, que as garotas cresceram, adquiriram mais corpo e experiência pelos mundos que visitaram, trazendo-nos a um momento em que todas elas, até as mais dolorosas, acabam sendo especiais: especiais por representarem o curso de uma vida durante 20 anos, e por invocarem todos os sentimentos possíveis que o simples fato de ser humano costuma invocar. E isso não diz respeito somente à Tori em si, ainda que as músicas tenham sido trazidas a esta dimensão por ela mesma. Diz respeito também a cada toriphile que, ao descobrir a arte dessa pianista ruiva, passou a acompanha-la e construir suas memórias com as canções escritas por ela... A ideia por trás do Gold Dust é de resgate, para ela e para nós.

Ainda que muitos tenham sentido falta de várias canções icônicas, e que provavelmente ficariam estupendas em arranjos orquestrais, não seria possível deixar todos satisfeitos na duração de um único disco. E mesmo que a seleção tenha parecido preguiçosa, tanto por se assemelhar ao show de 2010 em companhia da própria Metropole Orchestra (e que serviu de origem a este projeto), como por Tori ter decidido usar músicas que se prestassem mais à orquestração, ao invés de inovar por completo em sua abordagem, ela perfaz de forma concisa a carreira da pianista e tem sim momentos de intensa novidade, a exemplo de Flavor (primeiro single do disco) e da sempre intensa Precious Things. Não ter operado grandes novidades sobre a maioria das faixas não significa que elas não mudaram também; estas mudanças, porém, foram mais sutis, e trataram de acrescentar, mais do que refazer. Como um entrevistador afirmou na nova leva de entrevistas recente, Tori parece canta-las com mais força, mais propriedade. E isso é fruto de um processo que precisa acontecer para todos nós: a maturidade.

Um traço notável nessas transformações foi a incorporação de nuances típicas às apresentações ao vivo dessas músicas: Yes, Anastasia sofreu um corte tremendo em sua duração, mas agora representa o que Tori costuma fazer com ela ao vivo; Cloud On My Tongue, além da comovente nova ponte dos “circles and circles, again, again”, finalmente termina com o seu doce “he and she, we and...”; Precious Things ganhou uma versão em que o “Guuurl” é rosnado de forma contundente; Marianne guarda momentos de orquestração pungente e sufocante, acompanhando a catarse que essa música sugere, quando tocada ao vivo; e Silent All These Years, uma das mais queridas pelos fãs, adquiriu novas camadas de voz em sua ponte, as quais retratam tanto versos cantados na original do Little Earthquakes, como a versão mais simples, típica de performances para o público.

Isso só demonstra como as diferenças trazidas neste novo disco realmente procuraram incorporar a evolução dessas garotas, de uma forma mais “juvenil” (mas não menos genial) a um estado mental mais “adulto”, mantendo porém sua essência e, sem dúvida, o vigor. Porque isso é crescer: é passar por mil coisas, conhecer outras pessoas, se surpreender positiva e negativamente, e ao olhar para si próprio, depois de tudo o que se passou, sentir-se diferente, mas ainda em sua pele. E essas canções ainda são as mesmas que nos fizeram chorar ao lembrar de pessoas que não vão voltar. As mesmas que nos fizeram sorrir quando nos deram conforto e regozijo, às vezes somente por ouvi-las. As mesmas que nos viram crescer e decrescer, mas sempre estiveram lá, até quando sentíamos que o resto do mundo não estaria. Elas estão em nossas memórias, e mesmo que um dia desgostemos por qualquer razão de Tori, suas garotas nunca vão nos deixar.

Recordações. O tempo faz com que a nossa perspectiva sobre elas mude, mas uma coisa nem o tempo nem nós mesmos podemos mudar: o fato aterrador de que elas sempre terão seu lugar. E o Gold Dust é só um sinal disso. De que as recordações sempre terão seu lugar.

“Whose God spread fear? Whose God spread love?”
“We’ll see how brave you are”
“I got lost on my wedding day”
“Circles and circles again, again... Got to stop spinning”
“With their nine inch nails and little fascist pants tucked inside the heart of every nice girl”
“Some say we have been in exile, what we need is solar fire”
“I tell you that I’ll always want you near... You say that things change, my dear”
“So afraid you’ll be what they never were”
“When you think, and boy, when you drink! When you think of me”
“And when I promised my hand, he promised me back snow cherries from France”
“And they said ‘Marianne killed herself’, and I said ‘Not a chance’”
“Years go by and I’m here still waiting for somebody else to understand”
“7 a.m., so it begins again... One zip favoring familiar silhouettes”

“And somewhere Alfie smiles, and says ‘enjoy her every cry you can see in the dark through the eyes of Laura Mars...’ ‘How did it go so fast?’ You say as we are looking back, and then we’ll understand we held Gold Dust, in our hands”



Bem vindo, Gold Dust, boa sorte em seu lançamento.

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