Depois de dar a luz à Tash, Tori ainda precisava lançar pela Atlantic mais um álbum de canções inéditas. Como não queria mais dar suas song girls à gravadora com a qual já tinha tanto brigado, descobriu por causa de um sonho de sua mãe que poderia lançar material inédito, mas não necessariamente autoral. A ideia de um disco de covers cresceu, e o Strange Little Girls acabou surgindo, conceitualmente amparado por Neil Gaiman.
A mote foi recriar canções de compositores homens, sob a luz de uma perspectiva feminina. E para tal, Tori e Gaiman deram vida a 13 personagens, uma para cada canção ("Heart of Gold" é a única com duas), que contariam suas histórias a partir das músicas repaginadas. Aqui estão elas, com as histórias, escritas por Neil, traduzidas, como já é nosso hábito. Futuramente, postaremos também as traduções. Por enquanto, estas são as Cover Girls.
New Age:
“Ela parece tão focada, tão quieta… Pra completar, seus olhos permanecem fixos no horizonte. Você acha conhecer tudo o que há para se conhecer nela imediatamente depois de encontrá-la, mas tudo o que você julga saber está errado. A paixão corre através dela como um rio de sangue.
Ela só virou o olhar por um instante, e a máscara caiu, junto com você. Todos seus amanhãs começam aqui.”
’97 Bonnie & Clyde:
“Você sabe como é amar alguém?
E a parte dura, a parte má, o Jerry Springer show disso tudo é que você nunca deixa de amar alguém. Sempre há um pedaço delas em seu coração.
Agora que ela morreu, ela tenta lembrar somente do amor. Consegue imaginar em cada pancada um beijo, a maquiagem que, inexperiente, cobre as feridas, o cigarro queimado na coxa dela — Todas estas coisas, ela decide, foram gestos de amor.
Ela pergunta-se o que sua filha fará.
Pergunta-se o que sua filha será.
Ela está segurando um bolo, em sua morte. É o mesmo bolo que ela sempre iria cozinhar para sua pequena. Talvez elas tivessem o preparado juntas.
Elas teriam sentado para comê-lo, e sorririam, todos os três, e o apartamento seria, aos poucos, preenchido de gargalhadas e amor.”
Strange Little Girl:
“Existem centenas de coisas que ela tentou afugentar, coisas que ela não lembrará e que ela nem se permite pensar, porque é nesse momento que o pássaro grita, os vermes rastejam e em algum lugar de sua mente chove, lenta e eternamente, granizo.
Você ouvirá que ela deixou o país, que havia uma dádiva que ela esperava que você tivesse, mas que é perdida antes que isto lhe alcance. Tarde da noite, um dia, o telefone irá tocar, e uma voz que pode ser a dela dirá algo que você não foi capaz de entender antes da conexão cair e ser perdida.
Muitas anos depois, de um táxi, você verá alguém na porta que se parece com ela, mas ela irá embora no momento que você persuadir o motorista a parar. Você nunca a verá novamente.
E sempre que chover, nela você vai pensar. ”
Enjoy The Silence:
“35 anos, uma showgirl. E seus pés doem, dia após dia, por causa do salto alto. Ela consegue, porém, descer degraus de salto e com um enfeite de 18 kg na cabeça, ou atravessar um cenário com um leão, ainda de salto… Conseguiria andar de salto alto pelo inferno que fosse, se as coisas chegassem a esse ponto! E estas são as coisas que a ajudaram, a mantiveram em sua caminhada de cabeça erguida: sua filha; um homem que a amou em Chicago, mesmo que não o bastante; o âncora das National News que paga seu aluguel já há uma década, e não vem à Vegas mais que uma vez por mês; duas bolsas com gel de silicone, e a distância que mantém do sol do deserto.
Ela será uma avó logo, logo…”
I’m Not In Love:
“E então chegou a vez de um deles simplesmente não retornar as ligações que ela fez para o escritório. Então ela ligou para o número que ele não imaginava que ela tinha, e disse à mulher que atendeu que tal situação era muito embaraçosa, mas como ele não estava falando mais com ela, pediu a ela para avisá-lo que ela ainda aguarda pela devolução de suas roupas íntimas, rendadas e pretas, as quais ele tinha levado porque, como disse, isso cheirava a ela, aos dois. Oh, e isso a lembrou, disse ela, enquanto a mulher do outro lado da linha permanecia calada, de pedir que elas sejam lavadas e enviadas pelos correios de volta. Ele tem seu endereço. E então, com seu serviço alegremente concluído, ela o esquecerá completamente e para sempre, a fim de voltar sua atenção ao próximo.
Um dia ela também não lhe amará. Isso partirá seu coração.”
Rattlesnakes:
“Ela não sabe quem era o dono da jaqueta originalmente. Ninguém a procurou depois de uma festa, e ela achou que a vestia bem.
Nela está escrito KISS, mas ela não gosta de beijar. Pessoas, homens e mulheres, disseram-na que ela era bonita, e ela não tem a menor ideia do que eles querem dizer. Quando olha no espelho, ela não vê a beleza olhando de volta. Só sua face.
Ela não lê, não vê TV, nem faz amor. Ela ouve música. Sai com os amigos. Ela anda em montanhas-russas mas nunca grita quando elas mergulham e a viram de cabeça para baixo. Se você disse-la que a jaqueta era sua, ela apenas balançará os ombros para depois devolvê-la. Não que ela se importe, de um jeito ou de outro. “
Time:
“Ela não está esperando. Não muito. É mais como se os anos não lhe significassem nada, como se os sonhos e as ruas não pudessem tocá-la.
Ela permanece nas arestas do tempo, implacável, ilesa, além… E um dia você abrirá seus olhos e a verá. Depois disso, a escuridão.
Ela não usa uma foice. Na verdade, ela lhe arrancará, gentilmente, como uma pena, ou uma flor para seu cabelo.”
Heart Of Gold:
“— frases.
Irmãs, talvez gêmeas, possivelmente primas. Não saberemos a menos que se veja suas certidões de nascimento, mas as reais, não as que usaram para tirar a Identidade. É isto que elas fazem como um estilo de vida. Elas entram, pegam o que precisam, e saem outra vez.
Não é glamuroso. É só um negócio. Talvez não seja estritamente legal.
É só um negócio.
Elas são espertas demais para isto, e também já estão muito cansadas. Elas partilham roupas, perucas, maquiagem, cigarros… Sem descanso e à caça, elas prosseguem. Duas mentes. Um coração.
Às vezes, um até completa as da outra —
I Don’t Like Mondays:
“Parada no chuveiro, deixando a água escorrer sobre ela, lavando, lavando-a de tudo, ela compreende que a parte mais dura disso é a situação tê-la lembrado de seu próprio ensino médio.
Ela atravessou os corredores, o coração batendo com força em seu peito, sentindo o cheiro dessa escola, o que trouxe tudo de volta a ela.
Talvez fizesse somente 6 anos, ou menos, da vez em que ela correu de seu armário para a sala de aula… Da vez em que ela viu seus amigos chorando, enfurecendo-se e pensando nos sarcasmos, rótulos e mil feridas que afligiam os impotentes. Nenhum deles tinha chegado tão longe.
Ela encontrou o primeiro corpo numa escada.
Naquela noite, depois do chuveiro, que não pôde limpá-la daquilo que teve de fazer (não mesmo), disse a seu marido, ”Eu tenho medo”.
“Do quê?”
“De que esse trabalho esteja me tornando uma pedra. De que esteja me transformando em outra pessoa. Alguém que eu não conheço”.
Ele a trouxe para perto, e a segurou, e eles permaneceram bem juntos, pele com pele, até o amanhecer. “
Happiness Is a Warm Gun:
“Ela se sente em casa no local onde treina seu tiro. Usando protetores para os ouvidos, diante dos alvos em formato humano que estão somente a esperando.
Ela imagina, um pouco, e lembra, um pouco também, até que mira e aperta. Quando seu tempo de treino começa, ela sente, mais do que vê, a cabeça e o coração serem acertados. O cheiro da pólvora sempre a remete ao 4 de julho.
“Você usa as dádivas que Deus lhe dá”. Era isso que sua mãe dizia, tornando a discussão delas ainda mais difícil, de algum modo.
Ninguém jamais a machucará. Ela lançará seu vago, fatigado e maravilhoso sorriso, e irá embora.
Não tem a ver com dinheiro. Nunca tem a ver com dinheiro.”
Raining Blood:
“Aqui: um exercício de escolha. Sua escolha. Uma destas histórias é verdadeira. Ela viveu durante a guerra. Em 1959, veio aos Estados Unidos. Agora ela vive num quarto em Miami, uma pequena mulher francesa de cabelos brancos, com uma filha e uma neta. Ela mantém-se para si e raramente sorri, como se o peso das memórias a mantivesse afastada do caminho para encontrar a alegria.
Ou isso é uma mentira. Na verdade, a Gestapo a capturou durante uma travessia de fronteira e eles a deixaram numa planície. Primeiro, ela cavou sua própria cova, e então, uma única bala para trás de seu crânio.
Seu último pensamento, antes da bala, era sua gravidez de quatro meses, e que se nós não lutarmos para criar um futuro, não haverá futuro algum para nenhum de nós. Existe uma velha mulher em Miami, que acorda, confusa, de um sonho sobre o vento soprando em flores selvagens, em uma planície.
Existem ossos intocados abaixo do quente solo Francês que sonham com o casamento de uma filha. O bom vinho está bêbado. As únicas lágrimas derramadas são as felizes.”
Real Man:
“Algumas das garotas eram garotos.
A vista depende de onde você está olhando.
Palavras podem ferir, feridas podem fechar.
Todas essas coisas são verdadeiras.”
Por Hernando Neto.
via You&Me&She&He
Um comentário:
Strange Little Girls é um album tao bonito. Fico pensando como a Tori ainda foi capaz de criar algo tão lindo, mesmo não querendo oferecer à gravadora suas melhores canções.
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