Flavio Andrade (facebook), responsável por dar vida ao Night of Hunters para a série Flavors, chegou a mim por indicação de uma amiga em comum, que me garantia o tempo todo: "ele escreve super bem, pode confiar!" - fico feliz pela escolha, mais do que acertada para a primeira grande aventura de Tori na música clássica. E ler seu texto não só cria a vontade de revisitar o disco: também nos dá novas pistas para conhecê-lo melhor, bem como atiça a curiosidade sobre o futuro artístico de Amos, e até de sua filha, Tash. Mas por enquanto, "Out there are hunters..."
Quando li que Tori Amos havia assinado com a Deutsche Grammophon, levei um susto. E fiquei curioso ao tomar conhecimento do projeto de usar composições clássicas. Apesar de reconhecer a música de Bach nos primeiros acordes de “Edge of the Moon”, e relembrar com satisfação de “Pictures at na Exhibition” via Emerson, Lake & Palmer em “The Chase”, música erudita está há léguas de ser minha especialidade. Então, não tenho como opinar a respeito de como a compositora revisitou esses velhos clássicos. Portanto, encaro Night of Hunters humildemente como mais um disco da Tori. De qualquer forma, não deixa de ser charmoso ver aquele selo classudo da gravadora alemã na contracapa do álbum.
Seria natural que a primeira coisa a chamar a atenção fosse a estrutura clássica e a orquestração das músicas, certo? Mas nada é óbvio quando se trata de Tori Amos. O que acabou chamando a minha atenção na primeira audição foram aquelas vozes diferentes.
Não sou muito de fuxicar sobre um álbum antes de ouvi-lo. Gosto de ser pego de surpresa sempre que possível. A participação da sobrinha de Tori, Kelsey Dobyns, com uma voz lírica, segura, em “Night of Hunters”, me fez vislumbrar um duo entre Tori Amos e Loreena McKenitt. A própria música ajuda bastante nesta efêmera viagem particular.
E, claro, a filha, Natashya Hawley, com uma voz ainda com traços infantis, mas mostrando enorme potencial. Em “Job’s Coffin”, um momento praticamente solo de Tash, ela tem a oportunidade de desenvolver mais sua interpretação e desvelar o seu talento, surpreendendo com um acento mais jazzy do que a mãe. Enfim, dá um show!
Nas obras de ficção, particularmente as de heróis, quando um personagem central tem um filho é natural a imensa curiosidade em saber o que o destino reserva àquela criança. Essa curiosidade afeta não apenas os fãs, mas também os criadores. E dá-lhe dela ser raptada pra outra dimensão onde o tempo passa de forma diferente; ou o filho já crescido que viaja no tempo para encontrar os pais no nosso presente. E, ainda, a apelação de ter seu crescimento acelerado por alguma traquitana tecnológica ou magia arcana. Uma das saídas menos comprometedoras é quando o narrador resolve dar uma pequena espiada no que poderia ser o futuro.
Ok, isso tudo foi para dar uma ideia da minha curiosidade sobre o futuro de Tash (bem menor, imagino, que a curiosidade de seus pais). Se tornará ela uma cantora melhor que a mãe? Ou preferirá tocar bateria numa banda de rock? Será uma pintora bem sucedida, cantando apenas no chuveiro e em reuniões de amigos? Ou uma grande médica, a célebre Doutora Hawley, que descobrirá a cura para a obsessão de muitos por cantoras ruivas, particularmente as que tocam piano?
Passada essa primeira impressão, entram em cena as violas, baixos, flautas, violoncelos, oboés, violinos e clarinetas. Bem... Do pouco que adentrei no mundo da música erudita, deu pra perceber uma certa predileção minha pelos quartetos (obrigado, Tori), assim como prefiro os sextetos que acompanhavam Billie Holiday às big bands de Ella Fitzgerald. Os arranjos são belíssimos e revelam o acerto da proposta de construir uma ponte entre o erudito e nosso pop/rock. Tori nos leva com seu piano e os músicos que a acompanham àquelas clássicas paragens sonoras. Mas, quando começa a cantar, não resta dúvida de que estamos diante de mais uma Tori Song. Isso se torna significativamente nítido para mim logo na primeira faixa, “Shattering Sea”. Por outro lado, o desenvolvimento musical da música clássica nos presenteia com viradas inesperadas em “Edge of the Moon” e “Star Whisperer” (nas primeiras audições displicentes, pensei serem duas músicas). No fim dessa experiência musical, posso dizer que a tal ponte me pareceu bem sólida.
Por último, o conceito. Desde Scarlet’s Walk, Tori tem investido em um conceito que permeie todo o álbum para servir-lhe de inspiração. Álbuns conceituais podem ser legais, mas também possuem suas armadilhas. Se musicalmente o disco é muito bem resolvido, no texto às vezes ele fica um pouco amarrado. E, convenhamos, “I’d like to induct you into the drink of the cactus practice” não é exatamente um dos momentos mais brilhantes da ruiva. Gostaria de ver músicas mais soltas e menos referências mitológicas e medievais para aumentar o contraste do universo pop com a base erudita. Ok, também gostaria que ela se apresentasse com seu piano lá em casa.
Mas, enfim, lá está ela cantando “he’ll play a Beatle tune, me more a Bach fugue”. E ainda referências a “Lucy in the Sky with Diamonds” (se estiver equivocado, por favor, não me avisem, prefiro viver nessa ilusão) e Neil Gaiman (ou só para mim “The Chase” pareceu a cara do autor de Sandman?). Então não tenho do que reclamar.
De qualquer forma, ao sair em turnê, ou ela optaria por apresentar o disco inteiro como uma opereta, ou por misturar novas e velhas canções (como de habitual). Neste caso, algumas canções do álbum, descoladas de seu contexto, acabariam certamente de fora. Sabemos bem qual foi a opção dela.
Não posso encerrar essa atropelada resenha sem traçar um paralelo de Night of Hunters com a experiência sinfônica de Peter Gabriel. Há várias diferenças, claro. Em Scratch my back, Gabriel faz uma releitura de clássicos do rock, dando a eles um arranjo erudito. Em comum, a opção em misturar no setlist canções antigas de seus repertórios, dando a elas a mesma roupagem sonora do álbum da turnê. E ambos, também, não resistiram à tentação de, no álbum seguinte, gravar justamente essas músicas com os novos arranjos. E assim nasceram New Blood, de Gabriel, e Gold Dust, de Tori. Isso me faz crer que um artista não sai incólume dessas experiências musicais, o que faz aumentar a minha expectativa quanto aos novos trabalhos de Tori Amos. Só espero que ela, assim como o sósia de Paulo Coelho, também lance o seu DVD ao vivo.
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Flávio Andrade, carioca, conservado em barril de cerveja. Há 18 anos fã de Tori Amos à 1ª audição (Silent all these years, em fita-cassete). Formado em Publicidade, Jornalismo e Direito. Tenta manter um blog sobre cerveja e outro sobre música. Tem o mau hábito de debater sobre política e futebol nas redes sociais, além de postar tiras da Mafalda. Levaria toda a vida viajando, se tivesse tempo e dinheiro para isso. Sim, ele gosta de cantoras ruivas que tocam piano.
12 comentários:
Excelente texto, digno de um toriphile! Acho que a Tash tem boas chances de se tornar uma mega cantora, e pelas entrevistas, pode vir até a ser de blues, mas ela tem atuado e dançado desde os 5, então, o teatro pode também ser onde ela aflora. Acompanhemos... <3
Também creio que o rumo de Tash seja o mundo artístico, é o que ela tem trilhado desde cedo :D
Obrigado por ler, Camila ^^
Adorei a resenha! De início eu torci o nariz para o Night, principalmente com a "Star Whisperer", e eu ainda fico meio arredia com "Battle of Trees" (sempre pulo essa faixa), mas eu amei o álbum. Uma lágrima aparece no canto do meu olho quando ouço "Your Ghost" e "Carry"... E adoro os duetos dela com a Tash e a sobrinha. Enfim, vamos ver o que Tori nos reserva por meio desse selo. Que venha 2013!
Os planos de tori pra 2013 são de finalmente lançar o musical! Vamos todos torcer :D
Tori Amos e Loreena McKenitt????? Wow!!! Taí uma experiência que seria a transcendência extrema!!!!!
É incrível como essas resenhas nos faz querer voltar ao CD para averiguar cada descrição.
Daniel, o mais interessante dessa proposta das duas juntas é que soa coerente, uma vez que a voz de Kelsey lembra pelo menos a forma como Loreena canta. E como essa parceria seria incrível <3
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