quinta-feira, 20 de outubro de 2011

[Tradução] Entrevista à AVIVA-Berlin

Tori concedeu por esses dias uma entrevista à revista eletrônica AVIVA-Berlin, na qual tratou de mais detalhes do processo criativo e temático do Night of Hunters, além de falar sobre assédio moral, tema que pode ser o norteador de seu próximo trabalho (sim, ela já sugeriu um próximo trabalho!). Para ler a original, clique no link a seguir.

AVIVA-Berlin Interview

TRADUÇÃO

Ela toca piano como um terremoto, canta sobre o anticristo estar na cozinha dela e escreve as letras mais cripticamente poéticas: a cantora e compositora Tori Amos se encontrou com a AVIVA durante sua curta visita a Berlim, onde ela se apresentou no Tempodrom e falou de suas origens irlandesas, a Deusa Tríplice, metamorfos, a jornada de uma mulher através da autoreflexão, além de assédio moral em ambientes de trabalho, no século XXI.

AVIVA-Berlin: Em seu novo álbum, “Night of Hunters”, você explora mitos de uma Irlanda ancestral. Você já havia usado referências célticas num álbum anterior, The Beekeeper. Quais são suas conexões com a mitologia céltica?

Tori Amos: Comecei a ler sobre o assunto quando tinhas 12 anos de idade. Sentia-me ligada a isso sem explicação. Talvez fosse minha válvula de escape. Era de uma família religiosa, e havia tantas história bíblicas sobre as quais falávamos que você não tinha de fato uma escolha. Não era algo como estar amarrado e espancado, mas você não conseguia escapar do cristianismo ou mesmo das histórias do Velho Testamento. Então era isso que me circundava. Mitologia era algo permitido em minha casa, por ser educacional. Bibliotecas, elas teriam uma seção sobre mito e eu podia tirar livros, o que me fazia tê-los o tempo todo. Era obcecada por eles. Até o dia em que consegui uma boa biblioteca na Flórida. Então, esse foi o começo, e quando cresci e comecei a viajar, eu seria exposta a mais livros. Certa vez, no início dos meus vinte anos, fui a Los Angeles, e lá havia mais livros aos quais nunca havia sido exposta. Comecei a comprá-los e colecioná-los, tudo sobre mitologia, tudo sobre o que eu pudesse pôr as mãos, mesmo textos arqueológicos sobre coisas que vinham sendo descobertas da cultura. Então, minha mãe esteve buscando as origens de nossa árvore genealógica, por saber que tínhamos uma herança dos nativos americanos; ela perseguia nossa herança vinda da Nação Cherokee Oriental. Minha irmã foi à escola médica com bolsa de estudo em função justamente dessa herança. Minha mãe então decidiu conhecer a árvore do meu pai e encontrou alguém da família que havia feito toda a trajetória do meu lado paterno. Ela enfim descobriu que havia uma irlandês chamado John Craig, o qual deixou deixado a Irlanda por volta de 1730. Ele veio à América e lutou na guerra revolucionária; veio de County Cork. A casa na qual se passa a história do álbum, e que eu comprei em 1995, é de 1735. Eu sempre tive uma conexão com meu ancestral irlandês que havia deixado County Cork por volta da época em que a casa foi construída, e em minha mente senti a necessidade de voltar lá; assim o fiz.

AVIVA-Berlin: você produziu Night of Hunters com uma novo selo e um set de músicos completamente novo. O que a fez mudar sua combinação de colaboradores?

Tori Amos: Quando o musicologista Dr Alexander Buhr me abordou, vi um projeto tão distinto de tudo o que já havia feito, então foi preciso pensar bastante sobre ele, com a equipe de mixagem, no caso meu marido Mark Hawley. Mark e eu nos sentamos com Alex e conversamos sobre a empreitada numa perspectiva teórica, de que modo funcionaria. Quando você persegue um projeto, se você reflete sobre ele, trata-se de uma tela em branco, tudo é possível; no entanto, a partir daí você tem de tomar decisões realmente racionais que façam sentido criativamente. Mark insistiu na necessidade deste ser um álbum acústico. Não queríamos um álbum de rock, progressivo, fusionado ao estilo clássico. Deustche Grammophon também não queria isso, então tínhamos a mesma noção do que não deveria ser. Começamos portanto a focar, porque havia muitas ideias, vindas de um think tank, de que podíamos usar efeitos realmente exóticos e coisas do tipo, e Mark foi veementemente contra isso. Ele disse: “será muito mais moderno se não trouxermos nenhum instrumento eletrônico a este trabalho”. Tínhamos um equipamento de última geração sendo utilizado nas gravações, tínhamos também acesso à alta tecnologia, mas não iríamos usar qualquer aparelho digital. Estávamos também ouvindo Stravinsky, e sentimos que precisávamos de uma certa intimidade para contar a história. A partir disso, começamos a estreitar o repertório de elementos, até os que precisavam ser utilizados. Os músicos tinham de vir do universo clássico, pois essa sensibilidade era necessária. Estava fazendo variações em temas, e eles tinham de conhecer as peças originais e serem familiarizados com elas, a ponto de quando entrassem no processo já tivessem uma noção com eles. A composição por si só, na forma como foi construída, iria modificá-las de qualquer forma, mas queria que eles tivessem a linguagem da peça original no sangue deles, e isso não é algo que poderia encontrar num músico Pop. Matt Chamberlain é provavelmente um dos melhores bateristas do mundo inteiro, mas tomamos a decisão de não termos bateria, de que o ritmo teria de vir somente do piano.

AVIVA-Berlin: Em Night of Hunters, sua filha Tash e sua sobrinha de 19 anos atuam, respectivamente, como Anabelle e a Musa do Fogo. O que as levou a trabalhar no projeto e qual o significado disso para você?

Tori Amos: quando decidimos que seria uma ciclo de canções do Século XXI, comecei a pensar, “Um ciclo de canções do Século XXI, o que significa isso?”. Significa que queria uma protagonista mulher, e que era preciso falarmos de seu processo psicológico, em oposição ao processo psicológico de uma homem; pensei enfim: “vamos acompanhar a história dessa mulher!”. Nós também precisávamos de um elemento místico. Eu já era familiarizada com a Deusa Tríplice, a ideia irlandesa da Donzela, a Mãe e a Anciã. Gostei da ideia de outras duas forças femininas, além da mulher para a qual eu faria o papel. Foi assim que construiu-se uma súbita relação com a Deusa Tríplice, a Musa do Fogo sendo o Aspecto Materno, minha personagem sendo a Anciã e a Donzela, a pequena Tash. Esta foi uma ideia, a da tríade, e de repente também pareceu que necessitávamos de uma criatura metamórfica, visto que esse tipo de coisa surge com frequência na mitologia irlandesa. Senti que devíamos ter uma criança representando a natureza e, ainda, sendo ancestral e atemporal. Foi observando Tash atuar, ela tem atuado já há algum tempo, e estive acompanhando seu processo. O meu companheiro de trabalho no National Theatre da Inglaterra, para o musical, disse a mim: “ela pode fazer isso, ela pode sim atuar neste papel se você delineá-lo corretamente”. Ele a tinha visto preparando-se para um monólogo, afim de entrar em Sylvia Young, uma escola de artes performáticas londrina, para a qual ela foi selecionada. Uma vez que a observei sem os olhos maternos, mas com os de uma produtora, percebi que ela estaria apta a, profissionalmente, lidar com o papel. Então comecei a desenhar o personagem em torno dela, e a própria Tash passou a construir Anabelle comigo. Sobre minha sobrinha, sempre soube que ela poderia energeticamente atuar como a Musa do Fogo. Ela tem 19 anos, então está em uma estágio diferente de seu desenvolvimento. As duas tem um ótimo relacionamento, daí pensei que, energeticamente, podia funcionar.

AVIVA-Berlin: você disse que “Tales of a Librarian” era sua autobiografia musical - como vocês descreveria seu último álbum, “Night of Hunters”?

Tori Amos: Eu acho que é a história de cada mulher. Eu de fato creio que mulheres passam por um processo emocional bem peculiar a elas. Converso muito com os homens de minha equipe quando estamos viajando. Eu também vejo através dos olhos de meu marido, ele olhará para mim e dirá: “Como vocês todas pensam as coisas? Me dê um jogo do Arsenal, eu pegarei minha moto, voltarei, assistirei fórmula 1 e ficará tudo OK”. Acho que mulheres tem sim uma maneira bem diferentes de trabalhar conflitos, confrontações e relacionamentos. Quis rastejar sobre o processo pelo qual uma mulher passa quando tudo de despedaça. Enquanto construía todo o trabalho, descobri que homens eram muito curiosos em saber como adentrar a mente de uma mulher, ver como funciona. (risos) Nem todos, mas é um território estranho para boa parte deles. Quis verdadeiramente investigar e ajuntar a obra, para mim isso representaria o Século XXI. Quando você segue nessas jornadas psicológicas, elas lhe levam fundo a um certo lugar, e isso pode ser amplificado pelo elixir que você está tomando. Nativos Americanos tinham sua própria forma de Peyote, o que também está nesta história, já que Anabelle leva a mulher para uma jornada mental, espiritual, emocional e física, por meio da qual a personagem principal se abre a coisas e ideias das que ela havia se desligado completamente. Precisava que essa mulher expandisse e crescesse em somente uma noite, sendo ainda hábil a voltar a vidas passadas para recobrar partes de sua alma. Então, de certa forma, o álbum é muito sobre uma jornada espiritual que deve ser trilhada por uma mulher, e senti que no Século XXI havia sim espaço para a ideia de voltar a vidas passadas, a ideia de que existem pedaços de si que, às vezes, você precisa buscar. A noção que este casal poderia voltar a ficar junto, invés de brutalizarem verbalmente um ao outro, como eles acabam fazendo no início da história.

AVIVA-Berlin: Políticas sexuais, direitos iguais, moralidade e religião sempre foram assuntos importantes em seu trabalho. Você certa vez cantou sobre feminismo e sua problemática de direitos: “hora de se assustar - hora de mudar os planos, não sabe como tratar uma dama, não sabe como ser um homem”. Qual sua principal filosofia em como ser uma feminista hoje?

Tori Amos: penso que você não deve ficar preso na forma como você se classifica, bem, não “você”, mas “nós”. Sou cuidadosa com o uso da palavra “feminista” e sinto que minhas ações e minhas crenças podem afetar pessoas a meu redor, ou com quem esteja trabalhando. Existem mulheres que acredito serem porcas chauvinistas. Fui exposta a pessoas que vinham a meus shows e conversavam comigo sobre assédio moral no trabalho, por exemplo. Às vezes é aquela mulher, assediando outras mulheres e homens, porque elas tomaram para si parte da autoridade da patriarquia. Sabemos que mulheres podem abusar do poder que têm. Mas elas não são feministas. É isso que mais me assusta, elas se declaram como tal! Então, o que eu tentei fazer foi fugir da terminologia e ter uma visão mais ampla sobre os direitos humanos, os direitos individuais. Fico chocada que no século 21 ainda exista tal comportamento, se você está numa posição de poder. Nem todo mundo é assim; existem pessoas nessas condições que tratam as outras muito bem. Elas estão no topo e às vezes tratam pessoas melhor que aqueles em posições medianas! Ouvi muito sobre isso no último ano, e não sei como desenvolverei isso em meu próximo trabalho, mas é algo que verdadeiramente me acordou para o fato de que num ambiente profissional, civilizado, ainda existam estes comportamentos primitivos, de que para se sentir poderoso, você precisa faz uma outra pessoa se sentir humilhada, rebaixada. É tão bárbaro que às vezes eu gostaria de prender essas pessoas, homens ou mulheres, mas eu não saberia o que fazer com elas.

AVIVA-Berlin: algo bem bárbaro também?

Tori Amos: (risos) Mostrar filmes deles a eles mesmos! Eu realmente queria que as pessoas olhassem para si. Acho que é isso que Anabelle, na história, está tentando levar a mulher a fazer, olhar para si. Como você consegue obter autoconsciência? Você tem de querê-la. Você tem de querer olhar. Às vezes é algo opressivo, assustador, para alguns de nós, olhar para si. É um processo doloroso, mas é também através dele que mudanças acontecem.

AVIVA-Berlin: Muito Obrigado e tudo de bom!
Tori Amos: Obrigado!


Fonte/Source: tumblr EarWithFeet (Thank you very much!)

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