quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Os 5 melhores discos de Tori Amos

Não é lá muito comum na música vermos artistas permanecerem na ativa depois de décadas de carreira, sendo esse um feito ainda mais impressionante se falamos sobre mulheres. Elas ainda tem menos chance de longevidade em suas carreiras musicais, fato comercialmente comprovado se observarmos a lista das 10 turnês musicais mais lucrativas da história. Formada somente por artistas veteranos, apenas uma mulher a integra; no caso, Madonna.
Se para ela, que sempre teve um olho voltado para a cultura de massas, é até hoje complicado manter sua carreira de vento em popa, imagine para uma cantora e compositora de tom mais alternativo, e que teve raros momentos de concordância entre sua proposta artística e o tipo de visão que as gravadoras tinham dela. Multiplique a dificuldade lembrando que essa mesma compositora nunca foi reticente em tratar de temas espinhosos, como violência sexual, fanatismo religioso e morte (seja de pessoas, seja de sentimentos), num tom que ia da melancolia à histeria. Por fim, pense nela como uma visão ruiva e excêntrica, meio maníaca, meio divertida, e feche a fórmula pondo esta visão para “cavalgar” o banco de seu fiel piano enquanto se apresenta. Dá para imaginar que num mundo cada vez mais padronizado e repetitivo ela conseguiria manter uma carreira de mais de 20 anos, completando 50 primaveras em plena atividade e longe, muito longe de se aposentar? Pois bem, essa é Tori Amos, a aniversariante do dia.
Tori tem em seu currículo 13 álbuns de estúdio lançados ao decorrer das duas últimas décadas, e mesmo se mantendo fiel ao seu piano como instrumento principal dos discos, soube explorar em sua prolífica carreira vários estilos musicais e instrumentos secundários (Fender Rhodes, órgãos e sintetizadores), fazendo de seu catálogo um dos mais inovadores e ricos no universo das ditas “cantoras confessionais”, “nascidas” em sua maioria nos anos 90. Para comemorar sua nova idade, relembrar algumas de suas pérolas e apresentar um pouco desse vasto catálogo a pessoas que não a conheçam tanto, o ToriBr listará um Top 5 dos melhores discos da artista. Tentou-se ao máximo manter as decisões imparciais na hora de listar os álbuns, o que nos fez deixar de fora alguns dos discos mais queridos pelos toriphiles. No entanto, será um prazer ouvir sua opinião sobre essa lista, seja nos comentários do blog, seja no Facebook, lembrando sempre que sua formulação tem por objetivo maior celebrar! Celebrar e recapitular um pouco das muitas histórias cantadas por Amos, desde sua mais tenra idade.

Parabéns Tori, por ser tão espetacular e diferente de tudo o que costumamos ver e ouvir por aí. Você é extraordinária, simples assim.

Agora, o Top 5.

5º - NIGHT OF HUNTERS (2011)



Night of Hunters surpreendeu a todos por seu anúncio repentino e proposta curiosa, bastante distinta de trabalhos anteriores de Amos. O conceito, ambicioso e arriscado, baseava-se num ciclo de canção (song cycle) formado por variações inspiradas em temas de música clássica, narrando o drama de um casal que ia da separação à reconciliação no curso de uma noite. Muitas possibilidades foram cogitadas, dentre elas de ser um álbum instrumental, até que finalmente em meados de setembro fomos apresentados ao resultado final. Com o suporte de um octeto clássico, Amos compôs 14 canções a partir de peças de Chopin, Mendelssohn e Debussy, entre outros eruditos, com a cantora interpretando uma mulher que, após grave discussão com seu marido, é tomada pelo desespero e foge de casa. Ela então se depara com uma personagem mítica, Anabelle (interpretada por Tash Hawley, sua filha), que a ajuda a resgatar fragmentos de um passado distante; através deles, a personagem pôde recobrar também o sentimento de compaixão por si própria e, em última instância, por seu marido, permitindo a ela cantar que “you will not ever be forgotten by me, in the precession of the Mighty Stars” para ele.
Dotado de composições complexas e pungentes, evoluindo graciosamente do anoitecer ao amanhecer, Tori demonstrou através do Night of Hunters que nunca é tarde para se aventurar em universos novos, como em parte era o da música clássica para ela. Mesmo “tomando emprestado” motivos melódicos para criar suas próprias canções, a adaptação permitiu à cantora imprimir sua identidade no material, fazendo deste sem dúvida um disco de Tori Amos. Além de sua primeira turnê acompanhada de músicos do mundo erudito, o quarteto de cordas Apollon Muságete, NoH rendeu à artista um prêmio Echo de música clássica, na Alemanha.

Ouça: Shattering Sea; Star Whisperer; Carry

4º - SCARLET’S WALK (2002)



Com a virada do milênio, praticamente todos os discos de Tori trariam um forte conceito para embasá-los. E mesmo já havendo um trabalho conceitual em Strange Little Girls (2001), foi só com seu sucessor, Scarlet’s Walk, que Amos nos entregaria uma concepção riquíssima e bem acabada, na forma de um romance sônico sobre uma heroína às avessas, entregue a uma road trip pelos EUA. Se num primeiro momento Scarlet queria somente acompanhar alguns amigos e affairs até onde eles a levassem, as pessoas e fatos que cruzam seu caminho acabam a obrigando a amadurecer. É assim que a vemos tornar-se uma mulher mais consciente das tragédias e responsabilidades que a circundam, fazendo de sua viagem uma busca pela identidade roubada dela e da terra, por invasores que dominaram seu espírito e os de seus ancestrais. Amos cria um grande mapa de seu país através das figuras que descreve e dos eventos que retrata; um dos mais fortes é o atentado de 11 de setembro, ambientado pela etérea e contundente I Can’t See New York.
Scarlet’s Walk não merece estar nesta lista somente por ser um disco bastante fiel a seu conceito; bem dizer, suas músicas revelam uma faceta mais centrada e “terrígena” de Tori, advinda de sua experiência materna, e são imbuídas de um fogo que flameja calmo, constante, porém dono de uma força tremenda. É nesse espírito mais compassivo que a vemos criar algumas de suas melhores melodias, apresentadas dessa vez não só em seu piano, mas também em instrumentos mais suaves, o Rhodes e o Wurlitzer. Por fim, os arranjos orquestrais de John Phillip Shenale, também envolvido no NoH, pontuam a elegância e imponência de algumas das canções, fazendo do passeio de Scarlet uma das maiores aquisições de Amos como artista.

Ouça: A Sorta Fairytale; I Can’t See New York; Gold Dust

3º - FROM THE CHOIRGIRL HOTEL (1998)



Tori é e sempre será conhecida por ir a fundo em suas feridas emocionais, e isso se deve parcialmente às canções do aquático e soturno From The Choirgirl Hotel. Nascido do sofrimento da cantora pela perda de seu primeiro filho, por um aborto espontâneo (o primeiro de três), é uma coleção de músicas lúgubres e intensas, representando as filhas que deram consolo à Amos enquanto lidava com a sensação de infertilidade, pelos incidentes passados. Musicalmente, trouxe como grande novidade a formação de uma banda completa, o que levou alguns fãs a rechaçá-la por preferirem o formato mais melódico, baseado no piano, dos discos anteriores. A mudança no entanto fortaleceu suas composições, justo por acrescentar novas nuances à visceralidade e crueza do material. Além da banda, a pianista também investiu no uso de pianos eletrônicos e na influência do jazz, em especial para as canções Liquid Diamonds e Pandora’s Aquarium.
Choirgirl é um disco despojado de vaidades, e exatamente nisso que reside sua virtude e genialidade. Ouvimos Tori entregue a seus piores medos e mazelas, como num pesadelo escuro e sufocante, no qual os gritos são diluídos e os movimentos dificultados pela densidade da água. Mesmo com letras por vezes herméticas, os sentimentos expressos não encontram dificuldade em se fazer sentidos, e assim nos deparamos com nossas próprias decepções e medos ressoados nos sussurros, berros e sons abafados que perfazem toda a obra. Como a própria Amos disse, se ela não conseguia criar biologicamente, que fizesse isso da forma como sempre fez, musicalmente. É nesse escambo de almas que reside a estranha beleza do hotel das coristas.

Ouça: Spark; Liquid Diamonds; Playboy Mommy

2º - BOYS FOR PELE (1996)



Se no Scarlet’s Walk a chama que perpassa o disco é suave, isso é algo que não se deve esperar do Boys For Pele. Dedicado à deusa havaiana de mesmo nome, pela qual garotos eram jogados em vulcões na tentativa de apaziguar sua fúria, é um álbum que externa o lado mais obscuro e devorador de Amos, normalmente metaforizado por divindades femininas em suas faces mais “escusas”, menos compreendidas. É um mergulho na raiva e ressentimento sentidos pela cantora, após o término de um relacionamento de sete anos com o homem que ela julgava ser sua alma gêmea. Nesse mergulho, vemos “Pele” evoluir de um início explosivo e inquietante (Blood Roses, Caught a Lite Sneeze) para um final mais singelo e assentado (Putting The Damage On, Twinkle), passando no meio do caminho pelo fundo do poço (Hey Jupiter e Way Down). Há espaço também para destrinchar alguns estigmas de religiões organizadas, especialmente no que diz respeito à herança machista do patriarcado.
Em termos musicais, o disco é sem sombra de dúvida o mais experimental de Amos. A pianista está em sua melhor forma como multi-instrumentista, trazendo e ressignificando diferentes instrumentos de teclas para suas músicas. O cravo, de origem renascentista, é tocado com agilidade, criando assim uma espécie de “chama sonora” que em alguns momentos evoca fúria, e em outros sensualidade; o órgão harmonium, por sua vez, remete a um fogo esvaecendo com suas notas longas e morosas; por fim, o clavicórdio é usado de forma quase cínica, como de uma gargalhada irritante, em Little Amsterdam. Como se não bastasse todos esses novos elementos, algumas das canções ganharam orquestração, arranjos de big band e até mugidos de touro! Tudo isso coordenado pela própria Amos como produtora (pela primeira vez) de seu álbum.
Marcante é a palavra que melhor define “Boys For Pele”. Único em sua execução, representa o tipo de esforço que, creio eu, Tori não tem intenção de igualar; como dizem, um raio só cai uma vez no mesmo lugar... Sorte nossa dela ter captado o trovão antes dele silenciar.

Ouça: Blood Roses; Hey Jupiter (Dakota Version); Doughnut Song

1º - LITTLE EARTHQUAKES (1992)



Little Earthquakes pode não ser o álbum preferido da maioria dos fãs de Tori Amos. No entanto, sua importância, bravura e verve criativa tornam inevitável que seja este o seu melhor disco. Foi através dessa gravação que o mundo conheceu Tori, e através dela que a artista provou sumariamente sua habilidade como pianista, cantora e compositora. Como se não bastasse, o disco mantém o posto de maior vendagem de sua carreira, com cerca de 5,5 milhões de cópias comercializadas desde 1992.
O que torna o Little Earthquakes realmente especial é o fato de suas canções serem, ao mesmo tempo, únicas e universais. Tratando de temas como repressão religiosa, depressão, relações familiares, sexo e até violência sexual, o disco abrange uma variedade de tópicos que não se tornaram obsoletos, mesmo depois de duas décadas. Suas melodias viçosas e cativantes agregam um caráter ainda mais atemporal ao álbum, trazendo à tona velhas e novas emoções sempre que ouvido novamente. É difícil não se comover com os acordes de Winter, nem se projetar nas letras de Silent All These Years ou Precious Things. É impossível não se aterrorizar com o relato de Me And a Gun, ou soltar um riso meio amedrontado para as soturnas piadinhas de Happy Phantom. Quem nunca se sentiu nu ou nua na frente de alguém? Quem nunca esteve na pele daquela everybody else’s girl, querendo na verdade ser de si mesmo?
Pela diversidade de emoções conjuradas e por ser surpreendentemente “pop” que Little Earthquakes é o melhor disco de Tori Amos.

Uma obra prima.

Ouça: Silent All These Years; Winter; Precious Things

5 comentários:

Marcos Oliveira disse...

Adorei o site e esse post com o TOP 5 me foi muito exclarecedor sobre essas respectivas obras. O meu predileto é o "Scarlet's Walk". Conheço pouco da Tori, comparado a vocês, mas ouço os discos dela a um tempinho e cada vez me apaixono mais. Nunca é tarde pra se descobrir o paraíso não é mesmo? Abraços.

Hernando Neto disse...

Certamente, Marcos hehehehehe
Fico muito feliz em ver mais gente se interessando por Tori! Qualquer dúvida é só nos consultar e teremos prazer em ajudar ;)

Hernando Neto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ângelo disse...

A lista foi precisa e bastante coerente. Se bem que essa mulher é uma artista tão completa e eclética, que acredito que qualquer um de seus 13 álbuns pode figurar num top 5 e ter boas justificativas para isso, por mais diferentes que elas sejam. Isso porque cada disco possui cenários bem distintos e até mesmo antagônicos.
A visceralidade dos discos dos anos 90 é indispensável e salvou muita gente da depressão, da autopiedade e da autodestruição. Já nos discos do novo milênio temos Tori ainda mais brilhante como compositora e, francamene, ela é única em construir "paisagens sônicas". Uma briga entre um casal não é uma briga, mas um "Mar estilhaçante". Uma criança presenciando violência doméstica se chama "Ruby através de um Espelho". Ao ver sua mãe à beira da morte, Tori não se resigna em assistir quieta. Ela pratica um ritual mágico e, munida de sua semente de mostarda, lhe é concedido um encontro com a entidade responsável pelo grande design do plano espiritual, a quem ela suplica por mais tempo com sua "rainha". E por aí vai...
Eu poderia passar dias exaltando a genialidade da nossa aniversariante.

Hernando Neto disse...

E poderia desenvolver essas divagações em textos que com certeza ficarão incríveis, Angelo! Obrigado por comentar, querido <3