domingo, 27 de abril de 2014

[TRADUÇÃO] Entrevista para The Age Entertainment


A jornalista Jane Wheatley entrevistou Tori durante a passagem da pianista por Berlim, e a conversa perfez temas como envelhecimento, família, e as inspirações por trás do novo disco, Unrepentant Geraldines. Para ler a original, clique AQUI.

CORPO E ALMA

Superando o pavor de completar 50 anos, Tori Amos insiste que a sabedoria é sensual e mulheres precisam amparar umas às outras.


Tori Amos é uma trooper. Quando sugiro à pianista e compositora norte-americana de, ao invés de conversar num salão de hotel, irmos ao parque para aproveitar o faiscante brilho solar da primavera em Berlim, ela não pensou duas vezes. “Ei, John!" — chama por um dos envolvidos em sua equipe, saindo rapidamente da porta — "Você pode me trazer meus tênis e minha jaqueta de couro? Vamos sair para passear.”

Em minutos, Amos tira seus stilettos, põe meias rosas e tênis e está pronta. Michelle, de sua gravadora, nos acompanha até a escada, aparentando um pouco de ansiedade. Não vou abduzi-la, digo. Amos gargalha, como uma jovem em idade escolar sentindo o cheiro da liberdade.

Na saída, ela cumprimenta o porteiro — “Olá! Tudo bem com você?”, com o jeito amigável típico de americanos — e passamos por dois quarteirões em direção ao Tiegarten, um grande pulmão no centro da cidade, uma vez dividida. Folhas de tília desenrolando, no primeiro verde da primavera. Ela já deve ter passado ali, diz: “para uma sessão fotográfica, você sabe. Toda arrumada, orientada a me portar desse ou daquele jeito, voltando numa limousine logo em seguida para o hotel. Andar por aqui é bem bonito.”

Durante uma carreira que perfaz quase três décadas, Amos tem mais de 12 milhões de discos vendidos e oito indicações ao Grammy, e suas letras, desnudando a alma, chegaram com gerações de fãs. Ela veio a Berlim para promover seu 14º álbum, Unrepentant Geraldines, lançado no mês que vem, o último numa sequência de títulos excêntricos. Ela já cantou sobre estupro, religião, política e direitos humanos. Do que fala o novo disco?

“Bem”, ela diz, “Duas coisas. Na Irlanda, vi uma imagem de uma mulher chamada Geraldine observando a Virgem Maria, e li sobre sua história: ela se envolveu com um marinheiro, foi mandada para longe e estava rezando, na igreja.” Então ela é uma penitente? “Sim, e isso me fez pensar em como mulheres sempre tiveram de ser penitentes sobre suas paixões, por tanto tempo. Homens nunca precisaram se desculpar. Geraldines é sobre ficar de pé pelo que se acredita, não viver se desculpando, e aceitar que suas crenças podem mudar à medida que se ganha mais experiência.”

E a segunda? “Descobri Paul Cézanne perto de completar 50 anos. Eu não havia me atinado antes, mas comecei a ouvir música enquanto estudava as pinturas, indício de que começara a compreender algo.”
Numa das faixas do disco, 16 Shades of Blue, ela canta: “Há quem diga que estou muito velha para tocar… Mas antes de você soltar outra bomba verbal, poderia me armar com os 16 tons de azul de Cézanne?”. Ela ficou assustada com a nova idade? Pisca, através de seus óculos grandes e pontiagudos. “Se você me perguntasse ano passado, eu lhe diria que estava definhando. Ser uma mulher chegando aos 50 na indústria musical, em frente às câmeras — isso assusta, sem dúvida. Tem muitos compadres homens no negócio que já passaram dos 50: eles podem ficar barbudos, meio barrigudos, e isso não fará muita diferença. São cantores, compositores, fazem discos de destaque e são amparados para isso. Poucas são as mulheres nessas circunstâncias.”

Ela suspira. “Olhe, existe um grupo de mulheres tentando derrubar a imagem de que a sabedoria não é afrodisíaca, porque de fato o é.” Sonhe com isso, eu digo, e ela gargalha. Amos não aparenta sua idade: lábios carnudos, pele pálida, franja de cabelo ruivo e sedoso. “Você é muito gentil”, diz ela. “Adoraria lhe mostrar uma foto de minha mãe: aos 60 ela parecia 20 anos mais nova.” Então é uma boa genética? “Creio que, em parte, sim. Mas não falo sobre isso. Qualquer coisa que uma mulher faz consigo mesma não importa. Isso não muda minha opinião”.
É justo, mas será que Amos se sente forçada a tomar precauções por ser uma mulher nos holofotes? “Veja, eu nunca fumei — bem, talvez um baseado no ônibus, durante os anos 90 — então esse histórico contribui”, diz. “É uma imagem, não? Estamos num mundo vicioso onde você simplesmente não tem chances de vencer. Se sua aparência está incrível, virão atrás de você; do contrário, farão o mesmo.”

Sempre houve em seu trabalho uma forte tendência feminista: e o que fizeram as mulheres do ocidente durante os anos em que ela tem escrito canções? “Umas poucas portas foram abertas,” fala. “Às vezes, são três passos para frente e dois para trás. Há 30 anos, me disseram: ‘você é uma garota do rock. Essa coisa de garota e piano não vai dar certo’. Então algumas de nós iriam comprar em lojas do tipo Retail Slut, deixariam o cabelo dessa altura e usariam roupas curtíssimas, esquecendo do piano porque ele não seria comercial. Tivemos essas lutas nos anos 80, e os homens as ganhavam, no fim das contas.”

Uma brisa chegou, começa a chover e concordamos em voltar. Ela está prestes a sair em turnê. “Irei sozinha dessa vez, com um teclado e talvez alguns loops. Vou chutá-los!”. É preciso muita energia, diz ela, para domar o palco sozinha. “Mas Tash diz que preciso fazer isso.”
Tash é Natashya, filha dela com o marido Mark Hawley: conheceram-se em 1994 quando ele passou a trabalhar para ela como um engenheiro de som. “Ficamos juntos um ano depois,” disse. Se ela criou interesse logo de cara? “Sim”. Com ele foi a mesma coisa? “Ele disse que não lhe era permitido, mas acho que foi uma boa saída.”, gargalha. “Sou uma ‘grower’, então tudo bem. É bom que homens não fiquem encantadinhos pouco depois de me conhecer”.

Hawley construiu um estúdio de gravação na casa deles, na Cornualha, Inglaterra. “Não é super conveniente”, Amos admite. “Eu queria tê-lo construído nos EUA, mas Mark não tinha a documentação necessária”. Natashya está hoje num Colégio Interno e seus pais tem o que Amos chama de relacionamento bi-continental: “eu viajo bastante, todos os meus negócios acontecem em solo americano e tenho uma casa na Flórida.” As gravações são feitas na Cornualha, mas compor acontece na estrada — “é onde a vida e as interações acontecem.” Seu marido não faz um tipo muito social, diz. “Ele não fica me segurando; sabe que posso num instante ir a NY para visitar amigos.”

Começa a chover forte enquanto batalhamos num túnel de vento, apoiando-se um no outro. Amos pôs seu casaco sobre a cabeça e me preocupo que seu cabelo fique arruinado. “Mas estamos numa aventura”, fala com alegria. “Estamos sendo forçados a lidar com a natureza e é nesse momento que a vida acontece, quando não se está no controle de tudo.”

No início de sua carreira, ela me conta que conheceu Peter Gabriel, que a deu um conselho: “Ele disse, ‘use o orçamento do disco, arranje um local, adquira a propriedade e ponha os engenheiros nele. Não fique guardando tudo ou gastando em festas’. Ele estava certo. Eu tinha minha própria equipe comigo, e assim estava no comando. Isso lhe dá liberdade para ser uma força criativa.”

Alcançando o refúgio do hotel, a porta do quarto estava trancada, então sentamos num banco do corredor e Amos me conta uma história. Sua tataravó era uma Cherokee puramente nativa que se salvou da Trail of Tears, a remoção forçada dos índios norte-americanos de suas terras ancestrais, na década de 1830.

“Ela tinha entre 16 e 17 anos. Fugiu para as Smoky Mountains e viveu lá com uma faca, um arco e flechas. Percebeu depois de um período que seu tempo estava esgotando, então escolheu uma fazenda de um velho casal e se ofereceu para trabalhar lá, em troca de alimento. Eles a batizaram de Margaret. Em poucos anos, a fazendeira morreu, e não demorou muito a Margaret engravidar do velho homem. Ele se casou com ela e minha linhagem vem daí.”

Ele era um homem bom? “Bem, eu creio que sim”, diz. “Eles se uniram e tiveram mais filhos.” Quando uma das filhas, Mary, morreu subitamente com vinte e poucos anos, Margaret acolheu o filho dela, Calvin. “O meu avô, Poppa. Ele cresceu ouvindo suas histórias, as mesmas que me contou. Ele era a pessoa mais querida por mim, na infância.” Faleceu quando Amos tinha nove anos. “Vou a seu túmulo para ouvir as histórias”, ela diz. “Acredito que caminhamos com os ancestrais”.

Nesse momento, Michelle aparece e fica estarrecida por nos encontrar sentados no corredor, mas Amos reafirma que estávamos ótimos. Ela me convida para ouvi-la cantar no Royal Albert Hall, Londres, durante o verão. “Você deveria visitar Tash com sua caixa”, ela diz. “Ela tem sempre uma caixa com doces e essas coisas fofinhas. E a mãe de Mark estará lá também, com certeza. Ela é uma vovó do rock."

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A foto que ilustra a publicação foi de um ensaio feito por Jim Wileman, que você vê completo AQUI.

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