Olá, toriphiles!
Hoje foi publicada pelo site Pop Matters uma entrevista de Tori para o jornalista Alex Ramon, em que se discute temas e referências do novo disco da pianista, Native Invader. É um material muito interessante e esclarecedor, por isso decidimos publicar o texto traduzido aqui. Para ler o original, clique AQUI. Deixamos como dica também uma resenha que Alex publicou em seu blog pessoal sobre o álbum, bastante detalhada e instigante. (Leia Boycotting Trends).
TORI AMOS CONVERSA SOBRE “NATIVE INVADER”
Tori Amos me liga de Nova York para nossa entrevista: calorosa, engraçada e graciosa, apesar de estar concluindo vários dias agitados de promoção na cidade, uma experiência que, não obstante, descreve como "uma festa". Com seu novo álbum Native Invader, a ser lançado em 8 de setembro e uma turnê europeia e norteamericana de três meses no horizonte, Amos soa caracteristicamente focada, presente e energizada. Agora com 15 álbuns, ela permanece como uma das mais vitais artistas norteamericanas: politicamente engajada, afiada e ainda determinada a realizar um longo cronograma de shows solo "enquanto eu ainda posso".
Amos imediatamente descreve Native Invader como "um álbum político". Originalmente inspirado em uma viagem pelas Smoky Mountains no verão passado, o novo disco, diz ela, mudou dramaticamente de foco devido a dois eventos: o resultado das eleições presidenciais dos EUA e um acidente vascular cerebral severo que deixou sua amada mãe Mary parcialmente paralisada e incapaz de falar. Na verdade, o Native Invader combina todos esses elementos. As suas referências à espiritualidade, songlines e história dos nativos americanos combinam-se com alusões a recentes desastres políticos e desafios pessoais, resultando em uma obra que soa como uma irmã espiritual de duas das principais obras-primas de Amos, Scarlet's Walk (2002) e American Doll Posse (2007).
Sonoramente, nascido como uma produção familiar pela colaboração de Amos com o marido engenheiro/guitarrista Mark Hawley (alem do arranjador de longa data John Philip Shenale em duas faixas), Native Invader compartilha da mesma base do antecessor Unrepentant Geraldines (2014). Porém o som é mais rico, com textura e ambicioso em frente aos arranjos claros e brilhantes de Geraldines; às vezes, rememoram algumas das obras mais elaboradas de Amos, From The Choirgirl Hotel (1998), To Venus and Back (1999) e Abnormally Attracted to Sin (2009).
Amos enfatiza que Native Invader é um registro que freqüentemente se volta à natureza, para os ritmos da (Mãe) Terra, como fonte de força e sabedoria contra forças segregadoras e destrutivas, como denota o single lançado recentemente "Up the Creek". Uma canção urgente e ecoante na qual Amos e sua filha Natashya Hawley trocam versos enquanto subvertem a expressão "Good Lord willing and the creek don't rise" para o tema das mudanças climáticas.
Questionada sobre a gênese dessa música, Amos remete para uma de suas principais inspirações, seu avô Cherokee, a quem ela lembra usando a expressão durante sua infância. "Eu estaria saindo pela porta, e ele diria: 'Até mais tarde, pequena. Good Lord willing and the creek don't rise'. Ele tinha um brilho em seus olhos visto que os Cherokee e os Creeks sofriam de uma hostilidade histórica." Como o título sugere, a própria Amos apropria-se da expressão com teor de empoderamento para o povo Muscogee. “Não sou qualificada para representar as Primeiras Nações", diz Amos. "Mas eu sou infinitamente inspirada por eles como guardiões da terra".
Pergunto-lhe como a contribuição de Tash para "Up the Creek" surgiu, uma vez que a faixa, enfatizando a soberania da Terra contra exploradores, sugere algo de complementar ao dueto anterior das duas, "Job's Coffin", no disco Night of Hunters (2011). "A música já estava se formando e se desenvolvendo no estúdio", diz Amos. "Então, quando Trump largou o Acordo de Paris, Tash apenas apareceu e disse: ‘Isso é guerra’. O que a levou a querer cantar na música".
Pergunto a Amos sobre o que o título do álbum, Native Invader, a evoca, e ela imediatamente enfatiza seus múltiplos significados. “As 9 Musas realmente me mostraram o caminho até o título. Essa idéia de uma invasão pode vir de muitas formas. Pode referir-se a algo que está acontecendo com seu corpo, como o AVC de Mary, ou mesmo como carregar um bebê: penso em Tash como meu invasor definitivo, de certa forma. Então não é necessariamente algo pejorativo, Alex. Podemos reivindicar esse conceito de invasão para nós mesmos, pensando nisso em termos de adentrar, procurar pistas, caçar informações”.
Assumindo ao mesmo tempo tom de confronto e conciliação, o próprio álbum está cheio de investigações subversivas, incorporadas na figura que intitula uma das faixas, “Benjamin”. A canção trata de um “amigo morcego de computador” caçador de fatos e envolvido com, entre outros assuntos , o marco ‘Juliana vs. os Estados Unidos’, emblemático caso judicial sobre mudanças climáticas. “Sugando hidrocarbonetos do chão / aqueles cafetões em Washington / estão vendendo o estupro da América / enquanto atacam Juliana”, Amos canta, enquanto guitarras elétricas resmungam em simpatia.
Ao longo de nossa conversa, Amos conceitua esses caçadores de fatos como “Benjamins”: “prodígios” científicos que parecem ter um lugar especial em seu coração, como coletores de informações produtivas fora do radar da cultura dominante. “Muitos americanos com os quais converso nem ouviram falar de ‘Juliana vs. EUA’ quando isso deveria ser gritado por todos os lados”, diz ela. “Isso faz com que você se pergunte o que está sendo suprimido pela mídia, o que os lobistas e Think Tanks estão fazendo” .
A majestosa faixa de sete minutos que abre o álbum, “Reindeer King” — construída em piano e cordas — compartilha desse sentimento de busca e questionamento. “Eu tive que ir ao deserto por essa [canção]”, diz Amos. "Eu estava aprendendo sobre as sondas [de Alberto] Behar, e ouvindo sobre o que estava acontecendo na camada de gelo na Groenlândia. Isso influenciou as imagens da música. É um registro bastante pautado em equilibrar elementos, criar com forças opostas, seja em um nível macro, ambiental, ou mais pessoal, como em ‘Chocolate Song’”.
Se a trilha acima é um dos momentos mais íntimos e domésticos do álbum, então a assertiva e dramática “Bang” — música que repensa a experiência de imigração por meio de referências cosmológicas, é uma das mais expansivas, com Amos alegremente a descrevendo como “o momento em que Carl Sagan encontra Frank Zappa”. “Algo que me faz virar os olhos sempre”, diz Amos, “ é quando você ouve americanos brancos se descrevendo como ‘nativos’. Às vezes, essa retórica não está longe da Alemanha ou da Grã-Bretanha nos anos 30, com os Blackshirts. Ouvir o que Carl Sagan tinha a dizer me fez querer explorar ainda mais quem são nossos antepassados e, além disso, de onde todos nós realmente viemos”.
Em um álbum que oferece muitos caminhos e quebra-cabeças a serem explorados pelo ouvinte (veja os samples de emissoras de números na faixa bônus “Russia”), Amos também identifica a relação “mãe-filha” como um fio condutor de Native Invader, seja na sensualmente derretida “ “Wildwood” ou na faixa final “Mary's Eyes”, que confronta a afasia de sua mãe. "Como você sabe, tenho sempre uma queda por Perséfone e Deméter", diz Amos.
A direção de arte atmosférica para o disco, que apresenta Amos sobre paisagens impressas com vários talismãs e totens, conversa com os temas líricos entrelaçados. Perguntada sobre referências visuais para o álbum, Amos credita Karen Binns, sua colaboradora de longa data, como “o cérebro conceitual” por trás das imagens. “Karen estava no começo de tudo”, confirma Amos. “Trabalhamos juntos já há tantos anos. Karen me colocou em contato com a artista polonesa Paulina [Otylie Surys], e foi uma grande colaboração”.
Em outra música, a queixosa e melancólica "Breakaway" (também solo), a gravação lança um olhar oblíquo e desiludido às traições e maquinações da indústria do entretenimento. Nossa conversa verte-se então no The Light Princess, excelente musical que Amos escreveu com Samuel Adamson para o National Theatre em Londres (2013) e que muitos de nós (incluindo um amigo que viu o show mais de 20 vezes ao longo de cinco meses) abraçamos de coração aberto.
Perguntada sobre a possibilidade de futuras produções da peça, a frustração de Amos pela relutância de produtores comerciais em assumir riscos e seu foco em imperativos financeiros — que (até agora) não permitiram um dos musicais mais ambiciosos, elaborados e cuidadosamente criados em história recente a ter a longa vida teatral que merece — rapidamente se torna aparente.
“Houve um ataque a The Light Princess, e as pessoas precisam saber disso. Não tenho certeza se entendo o porquê. Talvez entenda. É sobre certas pessoas que não desejam certos trabalhos por aí. O show precisa de alguém corajoso, não um plutocrata, para ganhar força. Sinceramente, se você não tem as aptidões de Boudicca e Gandhi combinadas, então você não pode produzi-lo.”
Os ensaios para a turnê Native Invader estão em andamento. Quais são os planos dela para os shows? “Bem, será sobre voltar ao cerne das músicas, não recriando o álbum ao vivo. Isso pediria dez pessoas no palco. Então, trata-se de trazê-lo de volta à forma elementar. De volta ao piano, onde as músicas começaram. É mais como a turnê do compositor. "
Pergunto a Amos se, no caminho inverso, ela já pensou em lançar um álbum de estúdio unicamente ao piano, já que muitos considerariam essa a mais pura expressão de sua arte. "Eu não diria Não a essa idéia, mas teria que haver um componente visual muito forte para o projeto. Pense em The Piano [de Jane Campion]”. Além da turnê, Amos também confirmou que uma edição remasterizada e expandida de From the Choirgirl Hotel será lançada no ano que vem, para o 20º aniversário do álbum, seguindo as recentes e bem sucedidas reedições da Rhino, para Little Earthquakes, Under the Pink e Boys for Pele.
Ao saber que me mudei de Londres para Łódź no ano passado, Amos, sempre curiosa, me questiona sobre a vida na Polônia e, em particular, a situação política atual do país após os recentes protestos em massa, contra as ações do governo para conter a independência judicial. Lembrando-se de seu show de 2014 em Varsóvia, no qual dedicou um cover impressionante de “Nights in White Satin” à comunidade LGBT, no contexto da controvérsia em torno do “Rainbow Arch” da cidade, suas perguntas me levam, em contrapartida, a indagar-lhe sobre a ausência da Polônia no itinerário da turnê Native Invader.
Fazendo referência a seus colaboradores poloneses na Night of Hunters, o Apollon Musagète Quartet (“oh, The Fab Four!”), Amos expressa o lamento de não poder ir a Polônia dessa vez, pondo a culpa simplesmente nos desafios de logística para se mover entre países durante uma série tão longa de shows. “Diga aos polacos que também não estou tocando na Flórida! Mas vou fazer vários eventos promocionais na Polônia no final deste mês, e estou ansiosa para estar lá. E, se eles puderem cruzar a fronteira, estou tocando em cinco cidades na Alemanha [Frankfurt, Hamburgo, Essen, Berlim, Munique]”. Ela ri: “Nesta turnê eu sou a Angela Merkel do Rock 'n' Roll”.
Native Invader será lançado pela Decca Records em 8 de setembro. A turnê em acompanhamento do disco começará em Cork, Irlanda, no dia 6 do mesmo mês.
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