sexta-feira, 24 de abril de 2015

[TRADUÇÃO] Entrevista para o The Guardian (UK)


Há alguns dias, The Guardian publicou uma nova entrevista de Tori, dentre as muitas que ela vem concedendo para divulgar as versões deluxe de Little Earthquakes e Under The Pink. Nela, a compositora discute a criação de sua filha, algumas lembranças envolvendo seus amigos gays, e o preconceito pela idade sofrido por mulheres na indústria musical, o que a levou a opinar sobre o escrutínio que Madonna sofreu recentemente pela queda no Brit Awards. A tradução completa da entrevista você lê a seguir, e para acessar o link original, é só clicar AQUI.



TORI AMOS: “SOU MUITO CRUA PARA HOMENS HETEROSSEXUAIS. ELES SÃO TORTURADOS POR MEUS SHOWS.”

Quase 25 anos depois de seu álbum de estreia, a “Cornflake Girl” tem uma filha adolescente, sabe como lidar com falhas técnicas de apresentações e ainda ama Madonna.



Oi, Tori! Nove da manhã é muito cedo para fazer uma entrevista.

Eu sempre estou de pé nesse horário. Hoje em dia, sou mais como esses pássaros matutinos. Nossa filha Tash está numa escola em Londres, mas passamos com ela alguns dias da semana. Mark (Hawley, seu marido) tem um estúdio por lá e no local trabalhamos no álbum do musical The Light Princess, mas adolescentes mudam sua vida.

Como ela mudou a sua?

Nossa vida mudou por completo quando Tash nasceu. Estávamos saindo do hospital em Washington e Mark me disse: "eles estão mesmo deixando a gente sair daqui com esse bebê”. O marido de nossa babá era um agente do FBI, e ficávamos o tempo todo esperando por eles vindo tirá-la de nós. A bebê ficou azul, certa vez. Estávamos em turnê por um ano inteiro, e quando você excursiona assim pensa que pode cuidar da criança, mas não pode. Tash tinha cerca de três meses e não dormia às vezes, e nem sempre você consegue fazer o que precisa ser feito. Ela finalmente estava dormindo em paz, e pensamos, “não precisamos pô-la pra arrotar, certo?” — erramos. 30 minutos depois de alimentá-la, ela estava ficando azul, então a levamos ao hospital na Flórida, para então uma enfermeira apressada vir enchê-la de coisas. E tudo porque não a pusemos para arrotar!

Mark tomou parte na criação de Tash?

Sou sortuda por ter conseguido um desses pais modernos. Fazer tudo sozinha… Estou trabalhando o tempo todo, e ele também, então decidimos fazer disso uma parceria. Quando ela tinha três meses eu estava trabalhando num disco e Mark bem ocupado; recebemos Neil Gaiman e ele disse: “você precisa de uma babá”. No mês seguinte, contratamos uma. Passei por alguns abortos antes, então essa bebê foi bastante esperada. Tinha 37 anos quando ela nasceu e queria demais ser uma boa mãe.

Como pode já ter passado quase 25 anos desde Little Earthquakes?

Eu não sei. Não sinto dessa maneira. Tash vem me perguntar sobre os anos 90 porque ela e algumas amigas descobriram Pearl Jam e Nirvana, e Polly (Harvey) ainda está por aí se apresentando e lançando álbuns. Não me parece terem sido 25 anos, porque Tash, aos 14, está descobrindo parte dessa música, então ela mantém essa época viva.

Você vive na Inglaterra há anos — qual traço britânico você não consegue entender?

Eu casei com um inglês, então gosto bastante dos britânicos. Eu os adoro, e parte disso vem do fato de não ter crescido aqui. Mas há duas coisas que quase me levam à loucura: quando alguém está intimidado pela “boa educação” de outra pessoa, e quando eles não dizem de fato o que está os incomodando. Existe um problema, eles estão incomodados e até lhe dizem que estão, mas não chegam de fato ao porquê. Mulheres britânicas falariam, mas os homens? Tenho algumas mulheres na minha equipe — a melhor lésbica do mundo, e outra americana, também casada com um britânico. Mas nela existem também muitos homens, os quais nem sempre estão afim de conversar sobre o que está acontecendo, e você não vai se intrometer. Eles acham que já reclamaram demais e não querem ir a fundo no assunto.

A canção 16 Shades of Blue, de seu disco Unrepentant Geraldines (2014), é sobre seus receios à medida que chegava aos 50 anos de idade. Como você lidou com os dilemas da situação?

Você precisa se fazer presente para aquelas mulheres nos seus 40 anos, ou final dos 30, que já começam a temer a situação. É um jogo um pouco diferente. Às vezes parece com a indústria de entretenimento, especialmente a cinematográfica, no sentido de apontar situações distintas para refletir sobre o envelhecimento. Os homens que lideram a corrida estão nos seus cinquenta; George Clooney e Johnny Depp são mais velhos que eu. Há um efeito afrodisíaco que acontece com homens — com um pouco de sabedoria, algumas frases de efeito, talvez não o corpo perfeito mas ainda mantendo a boa forma — eles acabam tendo algum poder mágico, místico. Mas não há muitas mulheres acima dos 50 que conseguem se manter firmes na produção de novo material. Não me refiro a um contrato que sirva para gerir seu catálogo, ou sua jukebox musical, estou falando de lhe pagarem para fazer um novo disco de sua autoria.

Mas você está indo bem, ainda contratada por um selo grande.

Sim, estou, mas tive de lutar por isso, tive de provar que sou rentável. Eu saio em turnê anualmente; Geraldines saiu ano passado e eu fiz apresentações por meses. Estou lançando um novo disco este ano, o álbum de elenco do musical. Não será como a maioria dos álbuns desse tipo, os quais costumam ser gravados em dois dias. Quis fazê-lo apropriadamente. Neil Gaiman me disse que deveria produzi-lo como “Jesus Christ Superstar”. Esse patamar de qualidade não tem sido alcançado nos últimos anos, e a Universal me perguntou se podia fazer isso para eles. Eles disseram que seria meio primeiro passo no mundo do National Theatre (de Londres). Estou produzindo como faço com meus álbuns, e no momento estamos terminando a mixagem. Ela nos toma de sete a oito meses, e o disco deve sair no começo do outono (hemisfério norte, entre setembro e outubro).

Você já se deparou com o preconceito contra pessoas mais velhas (ageism), que tem sido dispensado a muitas musicistas mulheres?

Quando uma atriz passa dos 60 anos, o público vai aceitar que ela seja uma grande dama. Mas quando você ainda está cantando e escrevendo canções, não existe um papel na indústria musical no qual você atua como a “vovó”. Não vamos a um show de Tom Petty ou Bruce Springsteen para ver um vovô cantando músicas de vovô ou somente para revisitar seu passado. Noel Gallagher, Paul Weller, os Chili Peppers — eles não estão distantes de mim em idade, mas esses caras ainda estão lançando trabalhos recebidos como relevantes; com mulheres, porém, é diferente: uma vez que nós tenhamos dado nossa contribuição, é hora de dar espaço somente para as mais novas. Foi Tash que veio a mim e disse: “Mãe, você vai ao palco, toca sozinha e continua arrasando. Mas algumas dessas artistas mais novas estão roubando seus trejeitos e isso importa para mim. Vá e lembre quem fez primeiro a esse povo mais novo, porque eles acham que essas garotas nos seus vinte anos foram as inventoras disso tudo” — ela disse: “Vá logo!”.

Parece haver um vilipêndio sobre mulher mais velhas — Madonna recebeu muitas críticas quando caiu no Brit Awards.

Permita-me perguntar: houve muitas baixeza voltada a ela?

Muitos comentários desagraváveis no Twitter.

Madonna é uma entertainer. Há muito poucas pessoas capazes de levantar daquele chão. Não foi culpa dela ter caído, mas foi por causa dela que a performance continuou. Muito desse vilipêndio vem tanto de mulheres como de homens. Ela vem fazendo escolhas, e é capaz de fazer coisas fisicamente que pessoas 25 anos mais novas não conseguem; ela se levantou e não permitiu que aquilo a envergonhasse. Acho que as pessoas querem diminui-la para um papel que seja “aceitável” para sua idade. Me entristece que não possamos abraçar Madonna e dizer, “Uau, ela é uma artista que está se expressando à sua maneira”.

Você mesma é bastante física quando está em seu piano.


T: Eu trabalho muito duro. Preciso de preparação para essas turnês, então é necessário que me mantenha em forma, por isso evito fast food. Salgadinhos de batata são minha fraqueza, mas acho que se você está ativa e tem um bom cuidado com sua pele, sua aparência fica em dia. Há dias em que me sinto mais velha do que gostaria, mas você precisa se manter firme e passar por eles. Estar em seus cinquenta anos é uma período de transição para mulheres; temos de decidir se nos tornaremos o clichê que as gerações mais novas quer que nos tornemos, ou não. Como exercício e boa alimentação, podemos permanecer fortes por mais tempo.

Qual foi o maior problema de palco que você já teve?

Caí do banco do piano durante meus 20 anos muitas vezes, mas há algo que sempre te faz levantar. Falhas técnicas acontecem, microfones caem — acabei tocando de joelhos porque o microfone não tinha testosterona suficiente para ficar de pé, então passei o resto do show ajoelhada e sem os pedais. O fato de você continuar e não simplesmente sair do palco para ajustes, ser capaz de permanecer onde está, isso exige algo mais. Você não precisa concordar com as escolhas de Madonna a respeito de suas roupas, ou de como ela vê sua própria sexualidade, mas pode sim admirar o fato dela estar lá, ainda fazendo o que faz.

Você tem alguns dos fãs mais apaixonados que eu já vi — pessoas de fato choram em suas apresentações.

Eu costumo acreditar que as canções constroem relacionamentos com eles. Uma vez que elas me deixam e seguem para o mundo, não é da minha conta o que pode acontecer. Elas vão para a faculdade de salto alto e me dizem: “quando lhe deixamos não somos mais crianças, vamos para o mundo fazer nossos próprios amigos”. Elas me contam que mantém vínculos com outras pessoas.

Como é para você ter esse tipo de conexão com as pessoas?

Não acho que (a adoração) seja projetada em mim, pessoalmente. É um relacionamento com as canções, não eu. Aprendo bastante com as pessoas que vem aos shows. Tento fazer um meet’n’greet no backstage antes das apresentações. Acabo ganhando mais e mais informações por meio das histórias que me contam, e quando você as ouve começa a se surpreender. Nem sempre são histórias trágicas. Pode ser uma história de alguém que desistiu de fazer algo que queria pelo desejo de fazer seus pais felizes, e então ela decide se dedicar a outra coisa. E essas pessoas acolhem as canções, o que as levam a se conectar comigo, e eu com elas.

Você tem um grande fanbase gay desde sua primeira performance, aos 13 anos, num bar LGBT de Washington DC (O pai de Tori a acompanhava).

Estamos voltando para bem longe, foi o começo de minha carreira profissional. Eu era bastante impressionável naquela idade, e eles tentaram me ensinar algumas coisas — até hoje estão me ensinando. Aprendi tanto com meus amigos gays, e continuo a aprender. Com eles, não sentia como se tentassem me magoar ou fazer com que duvidasse de mim mesma; não havia uma competição, nada como uma inveja secreta pelo sucesso alheio — o tipo de coisa que infelizmente pode acontecer entre mulheres jovens competindo entre si. Você procura ser generosa com o sucesso de suas amigas, tenta ser feliz por elas, mas nunca me senti comparada na companhia de homens gays. E mesmo com lésbicas, não sentia o peso dessa confrontação também. Primeiro vieram os meninos gays, e elas um pouco depois. Se você é um homem heterossexual, há muitas mulheres heterossexuais em minhas apresentação, então minha equipe costuma dizer que é lá onde esses caras deveriam estar. No entanto, homens hétero costumam me achar muito crua, emocional, por falar de coisas que eles não estão afim de discutir — é o que acontece em meus shows, eles são torturados pelo que se passa neles.

Os dois primeiros álbuns de Tori, Little Earthquakes e Under the Pink, foram relançados pela Rhino em versões remasterizadas e estendidas.

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