Por Anna Apolinário
Tori Amos é uma artista cruel, seu piano de cauda é afiado, um animal laminoso, retalha nossos sentidos em notas agudas, num misto de doçura e vigor. Ela acaricia, acalenta, seduz, depois tritura, faz pasta do ouvinte, esse pobre diabo que se torna refém de seu canto perigoso de sereia, fêmea voraz, sibila. Regida pelo signo de Leão, ela exibe sua verve com magnitude, virtuosa musicista, desliza velozmente as mãos pelas teclas do piano, ao mesmo tempo em que hipnotiza com seu timbre aveludado e agridoce, e a leveza lasciva de seus gestos, movimentos densos e precisos, olhos, lábios e a juba, exuberantes, um corpo-sol pairando majestoso no palco vasto, desnudando-se em canções de visceral beleza, repletas de uma poesia devastadora.
Em 2018, a artista chega aos 55 anos de idade, e continua compondo e lançando novos trabalhos, tendo dedicado praticamente a vida inteira à música, como pianista, cantora, compositora e produtora de seus discos. Minha paixão pela obra de Amos é antiga, vem desde a adolescência, através da antiga MTV, quando assisti ao videoclipe de Cornflake Girl, retirado de seu show no MTV Unplugged, a imagem daquela mulher de cabelos vermelhos ao piano, flamejante e inquieta, magnetizando a todos na plateia com sua música cheia de vivacidade, charme e exotismo logo me capturou e atiçou minha curiosidade. Daí seguiu-se uma intensa busca por seu trabalho e um delicioso mergulho em cada disco. Assim ela se fez presente em vários momentos da minha vida, tornou-se meu amuleto sônico, muitos dos meus poemas foram escritos embalados por suas canções, eu a fiz persona de alguns deles, ela passeia, musa arredia e ígnea, pelos meus livros.
Amos é audaz, toca fundo em questões e temas como religião, misticismo, ocultismo, morte, corpo, sexualidade, estupro, aborto, misoginia, opressão, feminicídio, amor, o sagrado feminino é explorado, elevado à máxima potência poética. Tori Amos celebra a mulher, em toda sua plenitude e força, a bruxa, a mãe, a curandeira, a deusa, evoca as forças ancestrais femininas, o poder do erotismo, a transgressão, ela consegue ser lírica, delicada e ao mesmo tempo mordaz e incisiva, assim ela nos rende, subverte a lógica da linguagem e fascina, faz troça do nosso espanto, dança e delira pelas linhas e notas lúdicas de seus poemas-partituras.
Desde seu debut, em 1992, com Little Earthquakes, vemos que trata-se de uma artista singular e ousada, que soube usar com maestria seus talentos, sua sensibilidade e percepção acerca do mundo e das pessoas, suas próprias vivências e abismos, para construir uma obra bela e significativa, desfrutem-na!
Minibio da autora: Anna Apolinário, nascida em 28 de julho de 1986 em João Pessoa, Paraíba. Poeta, autora dos livros Solfejo de Eros (CBJE, 2010), Mistrais (Prêmio Literário Augusto dos Anjos - Edições Funesc, 2014), e Zarabatana (Editora Patuá, 2016). É organizadora do Sarau Selváticas de autoria feminina.